lunes, 24 de mayo de 2010

Memória SOcial II. O conceito de memória social em Halbwachs e a crítica de Andreas Huysen

Por Eladir Santos

O conceito de memória social em Halbwachs e a crítica de Andreas Huysen

Iniciando por Halbwachs

• Halbwachs nasceu em Reims, em 1877, viveu em Paris, no início do século XX e foi um profundo conhecedor do debate filosófico da época.

• Durante 7 anos foi discípulo de Bergson, no Liceu Henrique IV. Neste período esteve maravilhado com a Filosofia.

• No entanto, logo se sentiu mais cientista do que filósofo e rompeu com sua formação ao ocupar-se do estudo das ciências aplicadas na sociedade. Estudou Direito, Economia Política, Matemática e Estatística.

• Conheceu Durkheim, tornou-se amigo do economista socialista François Simiand e de outros sociólogos. Neste período, Halbwachs tateava procurando abrir para si um caminho, um método e o objeto de seu estudo que era a sociedade. Por isso ele foi procurando estabelecer distância de tudo que considerava impreciso, dogmático ou por demais, empírico.

• Para compreendermos o conceito de “memória social” de Halbwachs é interessante observarmos que sua teoria da memória está articulada a uma abordagem epistemológica, ou seja, a uma teoria do conhecimento que fazia parte do estudo da estrutura material dos grupos e populações. Esse era o seu ponto de partida.

• Halbwachs fez parte de uma geração de intelectuais que procurava desenvolver uma ciência aplicada na solução de problemas sociais. A crença no progresso democrático e social fazia parte de seu mundo e à ela foi acoplada a defesa a defesa do espírito coletivo. A memória para ele era um fator agregador da sociedade. O conceito de memória social em Halbwachs deve ser compreendido a partir do vínculo do autor com as correntes reformistas do socialismo de sua época, bem como com as teorias durkeinianas.

• Esse interesse ele manifestava em suas opções de estudo. Em exercícios de por em ordem, através dos números, a matéria social e quantificar os acontecimentos sociais.

• No Direito – sua tese de mestrado foi sobre a expropriação e preços dos terrenos em Paris.

• Na Estatística – seus escritos relacionados a esse ramo foram Ensaios sobre Estatística, Cálculo de Probabilidades ao alcance de todos e A espécie humana e o ponto de vista dos números.

• Não é possível observarmos o conceito de “memória social” adotado por Halbwachs sem nos remetermos a sua obra de 1925, Os quadros sociais da Memória. É neste primeiro livro escrito sobre o tema onde aparecem delineações claras sobre o que seria uma “sociologia da memória” Nela, Halbwachs dialoga com a psicologia, sobretudo com Freud, com a filosofia, principalmente com Bergson e constrói uma abordagem alicerçada na sociologia de Durkheim. Pela primeira vez, a memória era analisada de forma sistemática observando-se o seu caráter social.

• O conceito de “memória social” é mais um dos pontos de seus escritos nos quais é enfatizada a rejeição de que a natureza humana fosse animada por impulsos subjetivos ou egoístas.

• A memória, até então, amplamente reconhecida como sendo determinada por questões subjetivas, passava a ser objeto de estudo como fato social.

• Na sua acepção só se pode entender os atos de lembrar e esquecer se percebermos suas associações com o todo social.

• O termo “quadros sociais” era naquela época bastante utilizado pela crítica literária com o significado de um sist4ema de referências temporais. Na obra de Halbwachs há uma semelhança semântica, porém a noção é mais ampla. Ele associa quadros sociais a um “sistema de representações” que podem ser de lógica, de cronologia ou topografia, que antecipam a lembrança fornecendo assim um sistema global de localização do passado no presente.

• O texto que aqui nos serve de base para apreendermos o conceito de memória social em Halbwachs é o primeiro capítulo de Memória Coletiva. Memória Coletiva foi tirado dos papéis deixados por Halbwachs ao morrer em 1945. São fragmentos resultantes da continuidade de sua pesquisa que o autor realizou no decorrer da Segunda Guerra.

• As relações da memória e da sociedade havia se tornado o centro do seu pensamento. Neste livro, Halbwachs retoma as preocupações quanto à institucionalização social da memória, mais uma vez tratando-a como dado objetivo da realidade social.

• Vários exemplos são citados com o objetivo de reafirmar algumas posições já indicadas em Os Quadros Sociais de Memória e explicitar suas teses de que a memória é constituída por imagens, esquemas do passado, aos quais não temos acesso. Os indivíduos não recordam sozinhos. As lembranças são frutos destes esquemas ou quadros socialmente adquiridos. O autor rejeita a ideia de que haja criação ou inspiração no ato de rememorar. O que existe é uma complexa combinação de variados quadros adquiridos socialmente no percurso do indivíduo.

• Halbwachs inicia o capítulo 1 de Memória Coletiva evocando o depoimento algo que não tem sentido senão em relação a um grupo do qual se faz parte. O depoimento supõe um acontecimento real outrora vivido em comum. Halbwachs fala do depoimento do “eu” que se lembra. O primeiro testemunho ou depoimento ao qual podemos recorrer será sempre o nosso e ele tem aspectos vivos da lembranças de uma comunidade. O “eu” depõe e dá testemunhos para a construção da memória no presente.

• Halbwachs mostra através dos exemplos que ilustram o seu texto que a memória individual existe, mas que ela está enraizada dentro dos quadros sociais. Ela está situada na encruzilhada das redes sociais diversas nas quais nos engajamos. Nada escapa à trama da existência social.

• Sobre a possibilidade de uma memória estritamente individual, Halbwachs nos mostra através das reflexões sobre as memórias da infância e posteriormente sobre as memórias dos adultos que todas são eminentemente sociais.

• As da infância porque são impregnadas do que resulta do grupo do qual a criança faz parte mais intimamente que é a “família”.

• As de adulto porque devem ser compreendidas dentro de quadros sociais de pensamentos e vivências dos grupos sociais aos quais pertencemos.

• Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva e este ponto de vista muda conforme o lugar que o indivíduo ocupa. E este lugar, por sua vez, muda segundo as relações que o indivíduo mantém com o grupo social.

• O que temos dentro do quadro de nossas lembranças antigas são adaptadas do conjunto de nossas percepções atuais.

• Dá o exemplo de quando retornamos as uma cidade onde já estivemos anteriormente. Aquilo que percebemos nos ajuda a reconstruir um quadro em que muitas partes estavam esquecidas.

• Halbwachs considera que isso é uma espécie de “confrontação” de vários depoimentos que concordam no essencial apesar de divergirem em alguns pontos. Esse essencial é que nos permite reconstruir um conjunto de lembranças de modo a reconhecê-lo.

• Se pudermos nos apoiar também sobre a lembrança dos outros, nossa confiança na exatidão de nossa lembrança será maior.

• Halbwachs observa que, na realidade, nunca estamos sós. Quando, por exemplo, passeamos sozinhos por uma cidade como Londres, carregamos conosco várias pessoas representadas ali pelas experiências sociais que vivenciamos e pelos conhecimentos que acumulamos vivendo em sociedade.

• Halbwachs explica, através de exemplos, que o esquecimento ocorre pelo desapego de um grupo, pois, para lembrar há necessidade de uma comunidade afetiva. Os indivíduos utilizam imagens do passado enquanto membros de grupos sociais. O desapego desses grupos colabora para o esquecimento.

• Importante esse aspecto da teoria de Halbwachs relativa ao esquecimento entendido como o desapego, o desengajamento do grupo. Nós que utilizamos a metodologia da história oral, em nossas pesquisas sobre organizações e instituições percebemos muito esta faceta do esquecimento. A pesquisa que realizei para minha dissertação de Mestrado teve como principal objetivo buscar e analisar memórias construídas por antigas lideranças do movimento popular. As memórias foram mais claras, mais consistentes sobre os fatos vivenciados quando a liderança entrevistada não havia se desengajado efetivamente e afetivamente do movimento popular. Aquelas que haviam se afastado, que conforme palavras delas mesmo, “foram cuidar de suas vidas longe da participação política”, apresentaram poucas memórias, no decorrer da entrevista. Por várias vezes, declararam não conseguir lembrar-se de fatos nos quais, inclusive, tiveram grande destaque conforme depoimentos de seus companheiros de luta.

• Podemos sintetizar o conceito de memória social de Halbwachs em 3 afirmações:
o As memórias só podem ser pensadas em termos de convenções sociais
o A abordagem a estas convenções se dá no mundo empírico observável
o O passado que existe é apenas aquele que é reconstruído continuamente no presente.

• Como na aula anterior nós estudamos o conceito de memória em Bergson considero que é interessante que verifiquemos os pontos de contato e as divergências entre os dois teóricos.
o Os pontos de semelhança:
 Ambos rejeitam a memória como atividade meramente física, mensurável em laboratórios
 Ambos criticavam a tentativa da psicologia de explicar a memória a partir de experimentos físicos e científicos com o corpo humano

 Ambos trabalharam com a noção de que a linguagem e a razão são capazes de nomear estados de consciência

o As divergências
 Para Bergson a memória está relaciona ao espírito em contraposição ao avanço das investigações biológicas.

 Para Halbwachs a memória está relacionada aos grupos sociais. Ele defendeu a ideia de que as imagens não estão relacionadas ao espírito humano ou a uma consciência interna pura. Elas estão relacionadas à representações coletivas estabelecidas por grupos sociais.

 As famosa representação do cone elaborada por Bergson, que vimos na aula anterior, enquanto armazenamento de memórias passadas estaria errada, segundo Halbwachs, pois, se os indivíduos guardassem em suas terminações neurológicas todo o seu passado, eles seriam sempre capazes de reconstruir qualquer aspecto do passado através de recordações ou sonhos.


• Algumas conclusões:
o Halbwachs entendeu que a tarefa da sociologia seria mostrar que a materialidade da memória não estava no corpo e sim na sociedade.
o A relação entre os indivíduos e os quadros sociais foi compreendida fundamentalmente como sendo uma relação de manutenção de estruturas já dadas.

o Halbwachs entendeu a memória como fator agregador da sociedade. Colocou a memória no centro de um sistema próprio de interpretação da vida em sociedade. Fica explicita a sua filiação à sociologia de Durkheim quando apresenta-nos a memória como algo que propicia a coesão social e a continuidade da ordem social. Não verificou a face conflituosa da memória.

o Halbwachs ao radicalizar no sentido de apresentar o fato de que a memória não estava no corpo e sim na sociedade, eliminou qualquer aspecto relacionado ao corpo, à mente e aos indivíduos. Para dar materialidade às construções sociais eliminou a possibilidade de existência de um inconsciente. Dessa forma, para ele os sonhos não são resultado de conflitos e sim imagens coletivas desconexas.
o Bérgson ____ intuição/ subjetivo
Conflito entre memória X espírito

o Freud ____ sistemas psíquicos
Conflito entre consciente X inconsciente

• O conceito de memória coletiva de Halbwachs, além de ter sido inaugural no campo, ele tem interessado até hoje teóricos e ensaístas que se preocupam com a memória. A obra de Halbwachs como discurso fundador ainda exerce uma centralidade neste campo do conhecimento. Qualquer estudo que se proponha a entrar no campo da memória social há de, em algum momento, mencionar a obra de Maurice Halbwachs. Seja para se opor a ela ou para reconhecer-se herdeira da obra do sociólogo, ainda que seja com algumas ressalvas.
o Os estudos de Pierre Nora, na década de 1970, chamaram atenção para o legado de Halbwachs. Ele reuniu um conjunto de historiadores para construção da coleção Lugares de Memória. A ideia era buscar uma certa topografia nas representações coletivas do passado nacional francês. Isso está diretamente associado às teses de Halbwachs. Nora trabalha com a ideia de que tais lugares foram criados socialmente quando a memória do grupo já não era capaz de propiciar a perpetuação daquele passado através da oralidade.

o A socióloga Mary Douglas que editou o trabalho póstumo de Halbwachs Memória Coletiva nos Estados Unidos aproveitou-se do conceito para analisar as instituições e a forma como a memória coletiva atua sobre as instituições.

1 comentario:

  1. Muito bom, Eladir...parabéns pela síntese de conceitos essenciais para o desenvolvimento de nossos trabalhos na área.

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