lunes, 24 de mayo de 2010

Memória e Espaço. Pierre Bordieu. Sobre o Poder Simbólico e outros...

Pierre Bourdieu
Eladir Santos

• É sempre importante que se apresente o autor, mas no caso de Pierre Bourdieu é, sobretudo, importante pelo fato de que sua trajetória de vida foi responsável por muitas de suas escolhas relacionadas aos seus objetos de estudo. Conhecer essa trajetória é importante para compreendermos suas análises e seus quadros conceituais.
• Bourdieu nasceu em 1930 e morreu em 2002. Nasceu em, Denguin, uma província dos Pirineus-Atlântico, oeste da França, uma região que colocava seus habitantes, nos anos 50 e 60, quando estes chegavam a Paris, em uma situação semelhante aos que se originavam das colônias.
• Fez seus estudos superiores em filosofia, em Paris e então, a partir daí teve que realizar algumas rupturas para satisfazer às exigências da instituição escolar. A primeira delas foi o abandono do sotaque e de muitas experiências adquiridas nos primeiros anos de vida. As suas origens o colocavam em uma situação de exterioridade objetiva e subjetiva com as instituições centrais da sociedade francesa, principalmente com o mundo intelectual. Bourdieu se considerava alvo de racismo social e, esse dado fez despertar nele certo tipo de lucidez relativa às estruturas da sociedade e aos processos sociais.
• Estabelece também rupturas com as correntes intelectuais dominantes nos anos 50, no campo da filosofia – dominava a fenomenologia, uma filosofia subjetivista que considera o fenômeno, isto é, aquilo que aparece para a consciência do sujeito, como a única realidade cognoscível. Bourdieu afasta-se para analisar a sociedade e o que nem sempre está consciente para os atores sociais. Desta forma vai tornando-se um sociólogo.
• Por último estabelece rupturas com o marxismo clássico e com aspectos da sociologia de Weber. No entanto esclarece, em muitos de seus escritos que o que pretende é consolidar conhecimentos dessas duas correntes sociológicas e repatriá-los, sem riscos de ingenuidade e simplificações das ideias.
• Sua contribuição teórica se articula em torno de dois temas recorrentes: mecanismos de dominação e a lógica das práticas dos agentes sociais num espaço social sem igualdade e repleto de conflitos.
• O percurso do campo de análise de Bourdieu dá-se das margens para o centro da sociedade moderna. Inicia pelo estudo das sociedades tribais, passando pelos sistemas de ensino, processos de reprodução, critérios de classificação, até as lógicas da distinção.
• Tem como proposta e preocupação a reorientação do olhar do pesquisador. Torná-lo mais atento aos processos de reprodução e às relações de poder neles contidas.

Livro O Poder Simbólico
• Os textos foram selecionados pelo próprio Pierre Bourdieu para uma edição em Portugal de 1989. Os editores portugueses sentiam a falta de publicações de Bourdieu, em Portugal, já que os textos que lá chegavam eram resultado de publicações brasileiras.
• Nestes textos selecionados há uma preocupação de Bourdieu em esclarecer o conjunto de seus instrumentos teóricos e sua metodologia. Neles ele apresenta o quanto o método e o teórico estão entrelaçados.
• Bourdieu, nesses textos, apresenta o processo de formulação de algumas de suas noções operatórias como os conceitos de habitus, reprodução, poder simbólico, capital, distinção, campo etc..
• São textos originados de artigos, conferências e seminários ocorridos entre 1960 e 1980.

Capítulo I
Sobre o Poder Simbólico

• O texto resulta de uma conferência dada na Universidade de Chicago em abril de 1973. Nele há a preocupação em dirigir as atenções para a percepção do simbolismo presente numa situação escolar e na própria conferência que se realizava.
• P.7. Procura mostrar que o poder simbólico é um poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Chega a essa conclusão a partir da elaboração de observações de como os sistemas simbólicos têm sido entendidos e apresentados tradicionalmente pelos teóricos do social.
• P.8. As primeiras observações que ele apresenta são as dos teóricos que entendem os sistemas simbólicos como “estruturas estruturantes”, isto é, como estruturas resultantes de subjetividades e consensos que vão se construindo ao longo da história. Estruturas que por sua vez constroem novas estruturas. Os kantianos e os neo-kantianos entendem os sistemas simbólicos desta forma, posto que dão atenção para o aspecto ativo do conhecimento numa reconstrução sistemática das condições sociais de produção desses sistemas.
• P.9. Os segundos teóricos apresentados são os que entendem os sistemas simbólicos como “estruturas estruturadas”. Diferentemente dos anteriores que privilegiam o modus operandi, isto é a ação sistemática atuando sobre as estruturas, os segundos privilegiam o opus operantum, o seja, o já realizado, o já estruturado. Os sistemas simbólicos, neste caso, não são como nos primeiros, instrumentos de conhecimento e construção do mundo. Eles são meios de comunicação em um dado sistema já estruturado. Exemplo disso é a representação que Saussure fornece à língua. Para ele a língua é um sistema simbólico com estrutura estruturada.
• Aproveitando-se desse conjunto teórico e pretendendo consolidar alguns pontos e rejeitar outros, Bourdieu elabora uma primeira síntese.
• P. 9. Os sistemas simbólicos como instrumentos de conhecimento e de comunicação só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. Eles supõem a existência de uma concepção homogênea de tempo e espaço que torna possível a concordância no mundo social, nas interações. E isso é o que já está estruturado. Os símbolos são instrumentos de conhecimento e comunicação e eles tornam possível a reprodução da ordem social.
• P.10. Após essa primeira síntese Bourdieu observa um outro caráter das produções simbólicas. Desta vez vistas como “instrumentos de dominação”.
• Nas duas formas anteriores de reconhecer-se os sistemas simbólicos o entendimento do mundo social se dá através das estruturas. Desta vez, Bourdieu observa aspectos funcionais das produções simbólicas. Funções que estão relacionadas com os interesses da classe dominante, com a divisão do trabalho entre as classes sociais, com a divisão do trabalho ideológico (manual/ intelectual).
• Neste aspecto reconhece-se a função de dominação dos sistemas simbólicos. Para Bourdieu esse aspecto possibilita que se entenda melhor a existência de uma violência simbólica e política que compõe a divisão do trabalho de dominação. Dessa forma verifica-se também o caráter ideológico dos sistemas simbólicos que são garantidores da reprodução da cultura dominante. As ideologias servem a interesses particulares que tendem a se apresentarem como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo.
• Dessa forma os sistemas simbólicos permitem a ocorrência de uma integração real da classe dominante e uma integração fictícia da sociedade no seu conjunto, posto que, há uma “desmobilização da classe dominada” através da legitimação da ordem estabelecida por meio de hierarquias e distinções que dissimulam as verdadeiras funções dos sistemas simbólicos.
• P.11. Neste ponto, Bourdieu elabora uma segunda síntese reunindo as três formas como são vistos os sistemas simbólicos: como estruturas estruturantes, como estruturas estruturadas e como instrumentos de dominação. Faz isso para concluir que com essas três formas os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de instrumento de imposição ou legitimação da dominação de uma classe sobre outra. Verifica-se aí que as classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a sua definição do mundo social.
• Esse conflito se dá na vida quotidiana e o tempo inteiro. Nele está em jogo o monopólio da violência simbólica legítima que quer dizer o poder de impor e inculcar instrumentos de conhecimento e expressão arbitrários que servem aos interesses do grupo dominante.
• Um espaço onde isso pode ser demonstrado é o da escola. A instituição possui o monopólio da violência simbólica legitima, ou seja, o poder de inculcar instrumentos de conhecimento arbitrários que servem aos interesses do grupo dominante e garantem a sua reprodução.
• Porém nesse quotidiano, há conflitos onde está em jogo esse monopólio da violência simbólica legítima que se vê constantemente ameaçado por lutas internas do grupo dominante.
• P.12. Em outro item do texto, Bourdieu atenta para a reprodução da estrutura do campo das classes sociais. Essa estrutura é reproduzida de uma forma irreconhecível no campo da produção ideológica e no campo das classes sociais. Neste ponto ele procura evitar o que ele chama de “redução brutal dos produtos ideológicos aos interesses de classe”. Isto é o que ocorre quando esses produtos ideológicos são apresentados como totalidades autossuficientes e autogeradas.
• Pelo contrário, as produções ideológicas são geradas nas lutas econômicas e políticas entre as classes com a função de impor a apreensão da ordem estabelecida como natural por meio da imposição mascarada de estruturas mentais objetivamente ajustadas às estruturas sociais.
• P.14 A guisa de conclusão, Bourdieu afirma que o poder simbólico é um poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força física (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização. Ele só se exerce se for reconhecido, se não for entendido como arbitrário.
• P.15. O poder simbólico é uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e legitimada de outras formas de poder. Ele é capaz de produzir efeitos reais de reprodução sem dispêndio de energia
• Em nota 8 da P.15. Bourdieu fala da destituição do poder simbólico que somente será possível a partir da “tomada de consciência do arbitrário” que nele está contido. Isto, para ele, será a revelação da verdade objetiva e aniquilamento da crença e destruição das falsas evidências que desmobilizam os dominados.
• P.16 Há um quadro resumo sobre o poder simbólico. Nele são apresentadas as formas como são vistos os instrumentos simbólicos. O objetivo é sistematizar melhor as observações contidas no texto.

Capítulo II
Introdução a uma sociologia reflexiva


• Este texto foi uma introdução ao Seminário da École des Hautes Études em Sciences Sociales, em outubro de 1987.
• P.17. O texto inicia-se com uma citação de Leibniz na qual o filósofo do início do século XVIII apresenta de forma bastante simples a postura científica cartesiana na procura do bem e no evitar o mal: procurar as verdadeiras evidências, dividir o assunto em partes, seguir uma ordem e fazer enumerações. Refutando o pensamento cartesiano, Leibniz atenta para o principal: a ausência de critério para determinar o que é bem e o que mal.
• Leibniz, em seus escritos filosóficos do início do século XVIII, apresentou métodos e preocupações que anteciparam a lógica analítica e a linguagem dos séculos XX e XXI. Um dos princípios da filosofia de Leibniz é o da “reflexão”, no qual constata que qualquer animal pode agir de forma contingente e espontânea. O que diferencia o animal humano dos demais é a capacidade de “reflexão” que quando operada, caracteriza uma ação como livre. Os homens têm a capacidade de pensar a ação e saber por que agem.
• Iniciar com Leibniz um texto sobre sociologia reflexiva reforça a preocupação de Bourdieu com ofício de pesquisador e com o fazer uma sociologia reflexiva. Nele Bourdieu apresenta algumas preocupações metodológicas, preocupações quanto à determinação do objeto e outras preocupações relativas à prática científica. O que é comum em todas essas preocupações é o alerta que faz aos pesquisadores para que sempre rejeitem o pré-construído – o senso comum.
• Afirma que a atitude que deseja inculcar é a apreensão de que a pesquisa é uma atividade racional e não uma busca mística que nos dará conforto e confiança. Esta é uma postura realista diante da pesquisa na qual os investimentos terão rendimentos máximos com o melhor aproveitamento dos recursos a começar pelo tempo de que se dispõe. Essa postura, no exercício dói ofício, segundo Bourdieu, evitará decepções e dispêndio de energias desnecessárias.
• P.18. A exposição de uma pesquisa, para Bourdieu, é um discurso em que a gente se expõe, no qual se correm riscos. Porém quanto mais a gente se expõe, mais possibilidades existem de tirar proveito da discussão. As críticas e os conselhos dão chances de se liquidar erros e realizar correções.
• P.19. Aqui ele observa que o homo academicus gosta do acabado, mas, as pesquisas em estado nascente, em estado confuso dão oportunidade da verificação de como realmente se processa o trabalho de pesquisa.
• P.20. Nesta parte, Bourdieu trata da escolha dos objetos de pesquisa. Observa que há uma tendência entre os sociólogos a avaliar sua importância pela importância dos objetos que estudam. Este é o caso dos que se interessam pelo Estado ou pelo poder. Estes sociólogos, para Bourdieu, tendem a estar menos atentos aos procedimentos metodológicos o que acarreta uma menor reflexão sobre seus objetos. Já não é o que ocorre com os que buscam objetos aparentemente desvalorizados pela academia. Esses objetos podem acarretar reflexões que ajudam na compreensão da violência simbólica presente no mundo social.
• Dá como exemplo a pesquisa que vinha realizando na qual faz uma análise muito precisa de um “certificado” – o certificado de invalidez, de aptidão, de doença etc.. Nessa análise, ele procura compreender o certificado como um dos efeitos maiores do monopólio estatal da violência simbólica.
• P.21. Seguindo, Bourdieu chama atenção para a necessidade de observação da relação especial entre teoria e prática. Propõe um modo de produção científico adquirido operando-se praticamente.
• P.22. Constata que os historiadores e filósofos das ciências têm frequentemente observado que uma parte importante da profissão de cientista se obtém por modos de aquisição inteiramente práticos.
• P. 23. O habitus científico é um modus operandi que funciona em estado prático. É uma espécie de sentido do jogo científico que faz com que se faça o que é preciso fazer no momento próprio, sem ter havido a necessidade de tematizar o que se havia de fazer.
• P.23. Bourdieu trata do “pensar relacionalmente” no tocante à metodologia/teoria e no tocante à construção do objeto de pesquisa. Bourdieu procura mostrar que a separação da metodologia da teoria em instâncias separadas deve ser recusada completamente. A origem dessa divisão está na oposição epistemológica e constitutiva da divisão social do trabalho científico num dado momento – oposição entre professores e investigadores de gabinetes estudo. Teoria, método e objeto não estão isolados de um conjunto de relações e é dessas relações que se deve retirar o essencial das propriedades do objeto, isso porque o real é relacional.
• P.26. Bourdieu observa que a pesquisa é uma coisa demasiado séria e demasiado difícil para se poder tomar a liberdade de confundir a rigidez com a falta de inteligência, ficando-se privado deste ou daquele recurso entre os vários que podem ser oferecidos pelo conjunto das tradições intelectuais da disciplina e das disciplinas vizinhas. No entanto, esclarece que essa liberdade tem como contrapartida a extrema vigilância das condições de utilização das técnicas de sua adequação ao problema.
• P. 34. No item “duvida radical”, Bourdieu afirma que construir um objeto científico é, antes de tudo, e, sobretudo, romper com o senso comum, isto é, com as representações partilhadas por todos, lugares comuns, representações oficiais que estão presentes nas instituições, nas organizações e nos cérebros das pessoas. O sociólogo está cercado do pré-construído que está por toda a parte. Por isso estar alerta é importante, porém, não é suficiente. Há de se atentar para a história social dos objetos.
• Os problemas dos objetos foram socialmente produzidos num trabalho coletivo de construção da realidade social.
• Os conceitos, as palavras e os métodos da profissão provocam duvidas no sociólogo porque ele é, com efeito, um enorme depositório de pré-construções que foram naturalizadas, ignoradas como tal e que funcionam como instrumentos inconscientes de construção.
• P.43. Alerta para o fato de que não se de limitar-se à descrição de experiências relativas ao objeto e sim se interrogar acerca das condições sociais que tornaram possíveis essas experiências.
• P. 44. Há a parte intitulada de “double bind” e conversão. Nela Bourdieu fala da dupla ligação a que está exposto o sociólogo: entre o perigo permanente do “discurso do senso comum” e o “discurso do senso comum douto” (Exemplo que dá dos escritos dos sociólogos americanos e o que sai no New York Times). Diante desses dois perigos, diante dessa dupla ligação Bourdieu orienta uma nova “conversão” do olhar. O sociólogo deve convergir seus olhos para novas formas do mundo social.
• Para colaborar na realização dessa “conversão” do olhar há uma “pedagogia da pesquisa” que transmite instrumentos de análise da realidade ao mesmo tempo em que vai formulando conceitos, técnica, métodos e uma atitude crítica diante da realidade Há de se rejeitar oposições fictícias entre autores, entre conceitos e entre métodos que no final são falsas sínteses de uma teoria sem prática.
• P.48. Em resumo, não basta romper com o senso comum vulgar, nem com o senso comum douto. É preciso realizar uma “conversão” do olhar numa ruptura, numa mudança de toda uma visão de mundo.
• P. 51. No item “objetivação participante” Bourdieu procura concluir o tema principal do texto que é a “sociologia reflexiva”. Ele esclarece que a “objetivação participante” é diferente da “observação participante”, pois esta última envolve a participação de um estranho no grupo. A “objetivação participante” é um exercício mais difícil porque se trata da relação do sociólogo com o seu objeto e com a sociologia, todos três elementos internos. A objetivação participante ocorre com uma “atitude reflexiva” sobre a sociologia. Só a sociologia da sociologia pode dar um certo domínio dos fins sociais que podem estar nas mira dos fins científicos diretamente perseguidos.

Capítulo III
A gênese dos conceitos de habitus e de campo

• O texto é a versão final do artigo de mesmo nome publicado em inglês no periódico Theories and Perspectives, nº 2 de dezembro de 1985, em Pittsburg, nos Estados Unidos. No mesmo mês foi publicado em Montpellier, na França.
• Bourdieu inicia fazendo um esclarecimento: ira apresentar os conhecimentos que obteve ao longo dos anos testando, na prática, a teoria de “campo”. Esclarece ainda que assim estará agindo cientificamente, pois, os conhecimentos teóricos adquiridos devem sempre ser investidos em novas pesquisas
• Ele observa que novamente trazendo a teoria do campo estará correndo o risco de ser considerado sectário e de dar a impressão de “monismo totalitário”, empregando sempre os mesmos conceitos em várias pesquisas. Mas o que lhe interessa é que na sua prática científica ele tem sempre procurado sintetizar e sistematizar os conhecimentos que pode obter aplicando-os a universos diferentes. È o que tem ocorrido com o modo de pensamento designado pela noção de “campo”. Na sua concepção a “teoria” deve ser tratada como “modus operandi” que orienta e organiza a prática científica.
• P.60. Sobre os “conceitos”, considera desnecessário fazer-se uma genealogia dos mesmos porque acredita que não se ganha muito re-situando-os em relação a usos anteriores. Portanto o que se propõe a realizar com relação ao conceito de habitus não se trata de uma genealogia do conceito.
• Bourdieu explica que introduziu o conceito de habitus em suas pesquisas quando realizava estudos sobre a arquitetura gótica e o pensamento escolástico. “habitus” havia sido tomado por Tomás de Aquino de uma velha noção aristotélica – a hexis – que designava noções de uma mesma espécie, permanente, costumeira, automática e desapercebida pelos seus autores.
• Portanto tratava-se de uma noção grega que fora apropriada pela escolástica do medieval, servindo nestes dois momentos para representar noções semelhantes.
• Bourdieu explica que ao retomar essa velha noção aristotélica desejava reagir contra o estruturalismo, pondo em evidência as capacidades criadoras, ativas, inventivas do “habitus” e do agente, coisa que a palavra “hábito” não traduz. O “habitus” é um conhecimento adquirido e também um “haver”, um capital. Ele indica a disposição incorporada, quase postural de um agente em ação.
• P. 62. Afirma que a decisão de retomar uma palavra da tradição para a reativar mostra que o trabalho de conceitualização pode ser cumulativo.Aproveitando conhecimentos, consolidando conhecimentos anteriores, sem se preocupar com a busca de originalidade a todo custo
• P. 63. A busca de originalidade a todo custo impede o que ele chama de “justa atitude para com a tradição teórica” que consiste em afirmar ao mesmo tempo a continuidade e a ruptura, a conservação e a superação e se apoiar em todo o pensamento disponível sem temer a acusação de “seguidismo”.
• Esta mesma atitude esteve na origem do conceito de “campo”. Primeiro a noção serviu par indicar a direção da pesquisa. Neste caso, uma investigação genealógica que fora dispensável no conceito de habitus, resultaria em erro. Para construir realmente a noção de campo foi preciso passar para além da primeira tentativa de análise do campo intelectual como universo autônomo de relações específicas. O conceito também já havia sido empregado por teóricos de várias correntes. Quando ocorre o emprego de um mesmo conceito por várias correntes, isso ocorre, segundo Bourdieu devido à existência de afinidades teóricas, de pontos de encontro.
• Esclarecida a origem dos conceitos de habitus e de campo, Bourdieu passa a explicar como pôs para funcionar estes conceitos que ele chama de “instrumentos de pensamento”, aplicados a domínios diferentes.
• A teoria geral dos campos foi se elaborando pouco a pouco a partir da transferência de formas contidas no modo de pensamento econômico. Exemplo disso é a utilização de termos como monopólio, concorrência, oferta, procura, capital. Essas formas não se colocavam como simples metáforas, mas como relações de permuta lingüísticas.
• P.69. A teoria geral da economia dos campos permite descrever e definir a forma específica de que se revestem, em cada campo, os mecanismos e os conceitos mais gerais (capital, investimento, ganho)
• P.69. Compreender a gênese social de um campo é apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram.
• P. 71. Bourdieu afirma que a autonomização dos campos de produção cultural deriva de um lento e longo trabalho de alquimia histórica no qual ocorrem o que ele chama de “depurações”. De depuração em depuração as lutas que tem lugar no campo de produção demarcam os espaços mostrando o que é essencial e o que são situações específicas.
• Para Bourdieu sempre que se institui um desses universos relativamente autônomos – campo artístico, campo científico, campo político...o processo histórico aí instaurado atinge o mais alto grau de especificações. Donde a análise da história do campo ser, em, si mesma, a única forma legítima de análise de essência.

Capítulo V
A identidade e a representação – elementos para uma reflexão crítica sobre a ideia de região

• Este texto foi publicado na revista Actes de la Recherche em Sciences Sociales de novembro de 1980 e é resultado de um trabalho empreendido com o apoio do DGPCT Diretorado Geral de Pesquisas Científicas e Técnicas, no quadro de um grupo composto por economistas, etnólogos, historiadores e sociólogos.


Capítulo VI
Espaço social e a gênese das classes

• Uma versão abreviada deste texto foi apresentada na Universidade de Frankfurt, em fevereiro de 1984 e a versão completa foi publicada na revista Acts de la Recherche em Sciences Sociales, em junho de 1984.
• Ao longo de todo esse texto Bourdieu estará preocupado em estabelecer diferenças e rupturas de sua teoria com o marxismo clássico. Inicia afirmando que a construção de uma teoria do espaço social implica em uma série de rupturas com a teoria marxista tais como:
o Deixar de privilegiar os grupos e passar a privilegiar as relações entre os grupos
o Perder a visão intelectualista que concebe a classe teórica como o grupo efetivamente mobilizado
o Romper com o economicismo que leva ao reducionismo do campo social
o Romper com o objetivismo que leva a ignorar as lutas simbólicas desenvolvidas nos diferentes campos nos quais está em jogo a representação social e a hierarquia no seio de cada campo e entre os diferentes campos
• Depois que estabelece esses pontos de rupturas, e que Bourdieu passa a analisar o espaço social.
• P. 133. Esclarece que se pode representar o mundo social em forma de espaço construído. Os agentes e grupos de agentes são definidos pelas suas posições relativas neste espaço. Cada um deles esta acantonado numa posição e numa classe precisa de posições vizinhas – quer dizer, numa região determinada do espaço e não pode ocupar realmente duas posições opostas do espaço. (dúvida ??? E quando ele afirma no capítulo VI que determinado agente pode ocupar ora uma posição de dominado, ora a posição de dominante ?)
• Este campo possui propriedades atuantes e por isso pode ser descrito como um campo de forças, como um conjunto de relações de força objetivas impostas a todos os que entrem neste campo.
• Nele há interações e permutas reais, solidariedades, rivalidades, vizinhança. Essas propriedades atuantes têm lugar a partir das diferentes espécies de poder e de capital que ocorrem nos diferentes campos.
• O capital que pode existir no estado objetivado – na forma de propriedades materiais ou em estado incorporado – juridicamente garantido. As espécies de capital portados pelos agentes definem a probabilidade de ganhos no campo.
• A posição de um agente no espaço social pode assim ser definida pela posição que ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer na distribuição de poderes que atuam em cada um deles. Seja, sobretudo, o capital econômico e suas diferentes espécies – capital cultural e capital social, capital simbólico (geralmente chamado de prestígio, reputação, fama).
• Nesse modelo simplificado de campo social, a posição de cada agente em todos os espaços de jogo possíveis, entendendo-se que cada campo tem sua lógica própria, sua hierarquia que se estabelece entre as espécies de capital e as possibilidades de haveres dos seis agentes – pode-se então concluir que o campo econômico tende a impor sua estrutura aos demais campos.
• Os agentes se distribuem no campo, num primeiro momento, segundo o volume global do capital que possuem e numa segunda dimensão, de acordo com a qualidade de seu capital. As relações de força são definidas a partir da quantidade e da qualidade do capital acumulado pelos agentes.
• P.137. “Classes no papel”: Bourdieu inicia afirmando que o que existe é um espaço de relações o qual é tão real como um espaço geográfico. Nele as mudanças de lugar se pagam em trabalho, em espaços e, sobretudo, em tempo (ir par baixo, para cima é guindar-se, trepar e trazer marcas ou estigmas desse esforço).
• Há também a probabilidade de mobilização em movimentos organizados, dotados de um aparelho e de porta-voz. Há o poder delegado. Neste espaço há a aproximação dos mais chegados, dos mais homogêneos que formam classes, por exemplo: a classe operária.
• Mas há também a aproximação dos mais afastados – aproximações de classes com interesses em comum. Bourdieu dá como exemplo a unidade entre operários e patrões diante de uma crise internacional.
• Lembrança de uma situação de minha pesquisa – a proposta da organização política MR8, no final dos anos 70, mais precisamente a partir do congresso de 1979, era a união das classes populares com a burguesia nacional. O objetivo comum aos dois grupos era por fim à ditadura militar e unir forças contra o imperialismo monopolista.
• Todas essas questões Bourdieu observa e reafirma tomando o dito de Aristóteles: “o mundo social pode ser dito e construído de diferentes modos, segundo diferentes princípios de visão e de divisão construídos.
• Os agrupamentos e reagrupamentos que se dão na base da distribuição do capital apresentam maiores probabilidades de serem estáveis re duradouras. As outras formas estão sujeitas a cisões e oposições.
• Como exemplo daríamos os partidos políticos que se formam com a característica de frentes, Neles há agentes sociais que portam diferentes tipos de capitais – classe operária, pequena burguesia, alta burguesia. Há um interesse comum que os une momentaneamente, porém ele está sujeito às cisões, ao passo que uma organização que reúna os portadores de idêntico capital, por exemplo, o sindicato patronal dos produtores de veículos automotores no Brasil. Neste caso, as relações tendem a serem menos conflituosas e mais duradouras.
• P.138. Bourdieu apresenta o que considera uma primeira ruptura com a tradição marxista. Trata-se da construção da classe. Considera que o marxismo apresenta, por vezes, uma lógica totalmente “determinista” e, em outras, “voluntarista”. Determinista quando mostra a transformação do proletariado em classe-em-si em classe-para-si, (o proletariado deixando o papel de somente existir como produtor explorado pela classe dominante, passando a também usufruir das riquezas produzidas) de forma lógica, mecânica e orgânica, como efeito inevitável do tempo de maturação das condições objetivas.
• E no segundo caso “voluntarista”, quando apresenta a “tomada de consciência de classe” como algo concebido a partir de uma “tomada de conhecimento” da teoria operada sob a direção esclarecida do partido. Bourdieu questiona como surgiram afinal as condições econômicas objetivas que possibilitaram, o surgimento desse grupo em luta.
• P.139. No item “A percepção do mundo social e a luta política”, Bourdieu afirma que a teoria mais objetivista tem que integrar não só a representação que os agentes têm do mundo social, como também, de modo mais preciso, a contribuição que eles dão para a construção da visão desse mundo.
• P. 141. Bourdieu fala do “princípio de realidade”. Explica que as categorias de participação no mundo social são produto da incorporação de estruturas objetivas do espaço social. Isso leva os agentes a tomarem o mundo social tal como ele se lhes apresenta. Aceitam-no como natural. O “sentido de realidade” acarreta a determinação “do que se pode ou não se pode permitir-se a si mesmo”. Isso implica uma aceitação tácita da sua posição no mundo social. Daí a visão de mundo dos dominados funcionar como uma espécie de conservação socialmente construída.
• Nota 6. p. 141. Esclarece que esse “sentido de realidade” não implica, de forma alguma, a “consciência de classe”, pois, esse só se apresenta após um cálculo econômico e uma forma mais ou menos elaborada de um futuro coletivo.
• P. 142. Trata da formação de grupos sociais. Observa que as relações de força objetivas tendem a reproduzir-se nas visões de mundo social. Considera que nessas relações ocorrem lutas, conflitos que opõem os agentes acerca do sentido do mundo social, de sua posição no mundo, da sua identidade social. Os mal-estares, as ansiedades, inquietações que possuem representam um considerável poder social de construir grupos reunidos em torno de um senso comum, de um consenso explícito. No interior desses grupos ocorrerá uma luta simbólica pela produção desse senso comum, ou seja, pelo “monopólio da nomeação legítima” como imposição oficial da visão de mundo dos agentes que detêm aquele tipo de capital.
• P.146. Sobre a ordem simbólica e o poder de nomeação. . Esclarece que o poder de nomeação é o que detêm os agentes que realizam o ato de imposição simbólica, tendo a seu favor toda a força do coletivo operada por um mandatário do Estado que para Bourdieu é o detentor do monopólio da violência simbólica legítima.
• Como exemplo do poder de nomeação e de sua lógica, Bourdieu apresenta o caso do “título” – nobiliário, escolar ou profissional – trata-se de um capital simbólico garantido juridicamente. O título profissional ou escolar, por exemplo, é uma espécie de regra jurídica de percepção social – garantido pelo direito. É um capital simbólico institucionalizado, legal e não apenas legítimo.
• P. 151. O campo político e o efeito das homologias. Neste ponto Bourdieu observa (p.152) o fenômeno que a tradição marxista designa de “consciência exterior” para explicar a contribuição dada por certos intelectuais para a produção e difusão - em direção aos dominados – de uma divisão do mundo social em ruptura com a visão dominante. Para ele esse fenômeno só pode ser compreendido socialmente se levarmos em conta a “homologia de posições”: um dominante pode ser dominado em seu grupo de origem. Esse fato pode gerar cumplicidade nas estruturas sociais e nas estruturas mentais. (Exemplo? Fidel Castro oriundo da classe dominante em Cuba de 1959 pode ser considerado um desses intelectuais da “consciência exterior” era dominado dentro do grupo de poder já que era liberal e anti-imperialista. ? Outro caso os intelectuais que participavam das organizações da esquerda revolucionária do Brasil dos anos 60 e 70)
• P. 156. Procurando sintetizar melhor a questão central do texto, Bourdieu afirma no que diz respeito ao espaço social que toda a história do campo social está presente, em todo momento, de forma materializada em instituições, tais como partidos, sindicatos e em forma incorporada nas atitudes dos agentes que fazem funcionar as instituições ou que as combatem.
• P. 157. A classe como representação. Neste ponto Bourdieu se dispõe a criticar a “vontade de representação” dos porta-vozes de uma classe. Para isso transpõe análises de historiadores do campo do direito relacionadas à representação. Trata-se do que no direito canônico chamam de “mistério do ministério” o porta-voz dotado do poder de falar pelo grupo, torna-se “misteriosamente” o próprio grupo. Recebe o direito de se assumir pelo grupo. Exemplo: a Igreja é o Papa. O papa é a Igreja. L´Etat cést moi de Luís XIV. Essa mesma noção leva o secretário geral a identificar-se e a ser identificado com o partido, o rei com o estado.
• Essa relação Bourdieu chama de “relação de metonímia com o grupo” e é a partir dela que tem existência uma classe pela vontade de representação de seus porta-vozes. Essa classe existe na medida em que – e só na medida em que os mandatários dotados do pleno poder de agir podem se sentir autorizados a falar em nome dela.
• P. 160. Radicaliza afirmando que o modo de existência daquilo a que hoje se chama, em muitas sociedades de “classe operária” é perfeitamente paradoxal porque trata-se de uma existência em pensamento. De uma existência no pensamento de uma boa parte daqueles que a classificação das palavras designam como operários, mas também no pensamento dos ocupantes das posições mais afastadas destes últimos no espaço social.
• Essa classe operária com vontade de representação, Bourdieu esclarece, nada tem da “classe em ato” – grupo real, realmente mobilizado que a tradição marxista evocava (observar o emprego do imperfeito)
• Conclui com uma crítica aos mandatários que conseguem impor pela sua existência e pelas suas representações essa classe operária com vontade de representação. Considera que isso tem dado possibilidades de surgimento de obstáculos ao progresso de uma teoria mais adequada ao mundo social, como fora (observar desta vez a utilização do mais-que-perfeito) o marxismo.

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