martes, 15 de junio de 2010

Memória SOcial II. Lazzarato, Maurizio. La mémoire sociale: représentations et croyances. In: Puissances de l´invention: la psychologie économique de Gabriel Tarde contre l´économie politique. Paris: Les Empêcheurs de penser en rond, 2002. P. 211-249

por Rosalí Henriques

Sobre o autor:
Maurizio Lazzarato é sociólogo independente e filósofo italiano que vive e trabalha em Paris onde realiza pesquisas sobre a temática do trabalho imaterial, a ontologia do trabalho, o capitalismo cognitivo e os movimentos pós-socialistas. Escreve também sobre cinema, vídeo e as novas tecnologias de produção de imagem.

Sobre o capítulo:
No capítulo sobre a memória social: representações e crenças, Lazzarato traça um histórico sobre a questão da memória social na obra de Gabriel Tarde, enfocando principalmente os embates com as teorias de Durkheim e Halbwachs, e unindo as idéias de Tarde à Bergson.

Memória e Trabalho
Segundo Lazzarato, Tarde elabora uma teoria da criação que introduz a memória e a atividade cerebral na explicação do fenômeno econômico e social. Lazzarato cita diversos autores que entre 1870 e 1914 fizeram estudos sobre questões físicas da memória, entre eles, Proust, Joyce, Svevo na literatura, Bergson e William James na filosofia , Ribot, Wundt e Freud na psicologia. Segundo ele, as pesquisas antecipam uma transformação radical na forma de viver e conceber o tempo.

Lazzarato discute os preceitos do marxismo frente ao pensamento de Hegel sobre as questões do espírito e da matéria. A discussão deste capítulo é sobre “como podemos desenhar uma nova imagem do pensamento e do mundo pela invenção e pela criação como propõe Gabriel Tarde?”

A filosofia do virtual: uma teoria não dialética da criação
Segundo Lazzarato, paraTarde a invenção é uma encarnação social do sistema de difernça. Para Lazzarato é em torno do conceito de diferença que há uma aproximação entre os pensamentos de Bergson e Tarde em relação a uma teoria social e uma ontologia da memória. Tarde critica a concepção de subjetividade na economia política e no marxismo e faz uma distinção entre afeição e afeto. O afeto é modo de pensamento não representativo enquanto a afeição é uma representação do que nos afeta.

Para Tarde as expressões da subjetividade não se resolvem inteiramente nas crenças e desejos, em julgamentos e vontades. Tarde propõe uma dupla virtualidade do sentido puro: “elemento afetivo e direncial do espírito”. Para Tarde: “existir é diferir, sentir é essencialmente diferenciar”.

Para Bergson a diferença é o tempo. É ele que distingue e diferencia o tempo e a duração. O pensamento dos dois autores se convergem também no conceito de virtual, numa concepção não idealista e antidialética do espírito. O virtual é a diferença, o tempo ou o sentir que constitui a parte inrrefutável e incorporável da ação (do corpo). Para Lazzarato a contribuição desses dois autores reside precisamente no conceito do virtual e da lembrança que converge numa teoria sobre a memória. Segundo estes dois autores, a memória ao mesmo tempo que produz, conserva e acumula a diferença (ou o tempo).
Lazzarato aponta Bordieu como um dos herdeiros de Tarde nessa questão da invenção do ato puro, o que Tarde chamou de criacionismo. Um problema que Lazzarato aponta na teoria de Tarde e Bergson é a questão da memória enquanto hábito, o esforço que a força virtual de criação deverá exercer para se inserir na necessidade. E como o corpo e o espírito têm uma memória voltada para o futuro a partir de suas hábitos, lembranças, afetos, línguas, representações, etc.

A memória social
Lazzarato expõe as idéias de Maurice Halbwachs sobre a memória, como herdeiro do pensamento durkheimiano, em oposição às idéias de Bergson sobre a memória social. Para Lazzarato são quatro as diferenças entre Bergson e Halbwachs: a primeira delas é a filosofia de ação, a segunda o papel do corpo que em Bergson não está desassociado da memória corporal, a terceira é o novo conceito de imagem que não se opõe ao real e por último, as duas teorias não podem ser comparadas porque estão em planos diferentes. Tarde e Bergson não negam o papel das instituições nos dispositivos sociais da memória, que Halbwachs apresenta nos Quadros Sociais da Memória, mas lembram que os quadros sociais conservam a memória no tempo. Lazzarato discute os preceitos da memória social defendidos por Halbwachs e diz que Durkheim não pensava dessa forma. Para ele, Durkheim estava mais próximo do pensamento de Bergson do que se imagina. Para Bergson, o que interessa é definir as condições ontológicas do presente que dura, do presente que passa e do presente que virá. Para Halbwachs as forças constitutivas da memória são a criação e a repetição.

A imitação como memória social
Para Lazzarato, Tarde se opõe à concepção de memória social de Halbwachs. Próximo da idéia de Bergson, ele define a união do sujeito com o objeto, da matéria, do tempo e do espaço, do individual e do coletivo como modalidade de diferenças. Ele chama isso de imitação. A imitação é uma memória em ato, uma força de difusão e conservação, é uma ação psicológica que difunde uma invenção e a conserva. Ele distingue, como Bergson, duas memórias: uma memória verdadeira e uma memória hábito. A função da imitação na sociedade seria conservar, integrando a morte na vida.

A memória (ou o cérebro) é uma sociedade
Em sua obra Lógica Social, Tarde faz a comparação entre a atividade mental da memória e a atividade social. Para ele, imitação e invenção são duas modalidade da memória: uma que conserva e a outra cria. Uma sociedade não é uma soma de indivíduos porque cada indivíduo é uma sociedade. A lógica da multiplicidade se aplica a todos os níveis. Aos pequenos estados nervosos do cérebreo Tarde as denominam como células cerebrais ou células nervosas: são as mônadas . Elas são ao mesmo tempo atividade psíquica ou vital e atividade espiritual. Tarde considera a memória individual e a memória social como duas multiplicidades.

A diferença e a repetição na memória social
Halbwachs via a memória como hábitos dos indivíduos e costumes da sociedade. Mas a estabilidade dos hábitos ou dos costumes são paradoxais (conforme Halbwachs). Em Tarde, a memória conserva a diferença da mesma maneira que em Bergson ela retém o tempo. A memória não se conserva pela identidade ou da unidade, mas através da repetição. O hábito (ou o costume), produto da repetição, tem uma dupla face: uma que encarna a diversidade e outra que a imobiliza,que a fixa.

A invenção ou o presente que cria
Para Lazzarato, sem repetição-rotina o mundo seria um caos. A imitação é, ao mesmo tempo, uma condição de produção e a reprodução da rotina que permite a criação de novas bifurcações. A associação entre uma lembrança e uma impressão nova é o que Tarde chama de nova combinação. Para Halbwachs o reconhecimento e a rememoração em Bergson é uma simples reprodução, ao passo que em Tarde eles são uma nova criação. Para Tarde, a imitação e a invenção, como as duas memórias do indivíduo, procede a partir da diferença em dois sentidos: pode-se imitar o que distingue o que diferencia e por outro lado, a invenção é uma criação de uma nova diferença.

A linguagem como memória social
Para Tarde a linguagem representa uma forma de memória coletiva. Para Lazzarato, Halbwachs atribui a Bergson uma relação de oposição entre memória e linguagem. Para ele, tanto Tarde quanto Bergson defende a linguagem como uma forma de conservar as lembranças, mas que permite desenvolver a memória que as criou. A linguagem aumenta a potência porque libera a memória da ação finalizada. A linguagem é a principal categoria da lógica social porque satisfaz o desejo de contribuição, de composição, adaptação das crenças e dos desejos. A linguagem é a matéria prima da invenção e da imitação, aumenta a potência de ambas. A linguagem, é, segundo as palavras de Tarde, o espaço social das idéias. Halbwachs percebeu a diferença que consiste em considerar a memória somente como qualquer coisa constituída e a introduz nas correntes de memória potencial. Segundo Lazzarato, o fluxo das crenças e desejos são como forças constitutivas logísticas da língua e de todo campo social. Lazzarato faz uma crítica ao estruturalismo, principalmente de Toni Negri, pois para ele, as palavras não são somente elementos de uma estrutura, mas as noções que exprimem um sentido. Tarde, ao contrário do estruturalismo, desenvolve uma concepção performativa da linguagem. A linguagem não tem somente uma função informacional e comunicativa, mas ilocutória. A linguagem é inseparável da potência que ela produz, das vontades (desejos) e das crenças. Para Tarde, os linguistas deveriam estudar a linguagem como uma força social, pois ela é constitutiva do tempo e da memória. Para Tarde, a questão não é opor linguagem e duração, memória social e memória individual, como pensa Halbwachs, mas saber do que elas são feitas para se reproduzir e criar algo novo. Para Tarde, governar, falar, produzir economicamente implicam em dirigir as correntes de fé e de vontade, dirigir as formas sociais da memória.

É preciso defender a sociedade das instituições
A lógica é, para Tarde, uma necessidade suprema do indivíduo e da sociedade. O problema da lógica social é sobretudo sobre as gramáticas, as legislações, as organizações do trabalho. A lógica social e a lógica individual não são regidas por nenhuma pretensão de verdade. Sem as correntes de memória, as instituições são mortas. Na teoria de ação proposta por Tarde a história não contém nenhuma racionalidade predeterminada, nenhuma lógica, como na dialética. A história é uma sucessão e uma acumulação de eventos a-históricos, de invenções.

As representações e as crenças
Para Lazzarato, Tarde diferencia de Durkheim no conceito de crença e representação. Para Tarde, há diferença entre crença e representação. A representação diz respeito ao sujeito e as crenças aos modelos de existência. A sociologia é, para Tarde, uma psicologia coletiva que se distingue da piscologia como objeto da mentalidade do indivíduo. Para Durkheim é a memória que torna possível e caracteriza a via psíquica. Tanto Bergson quanto Tarde não reduzem nunca a via psíquica às representações atuais. Halbwachs termina por abolir a memória, atribuindo a conservação das representações às instituições sociais. Durkheim para legitimar a existência de uma via inconsciente emite a hipótese da existência de centros de consciência secundária. Gabriel Tarde critica a redução da vida psíquica à representação. Não é suficiente distinguir entre individual e coletivo porque há uma vida impessoal, molecular, infralinguística tanto no indivíduo como na sociedade. A crença e o desejo não são do nível de representação, uma vez que são forças infrarepresentacionais, da mesma maneira que não se trata do nível linguístico mas infralinguísticos. A ação social, tal como entende Tarde, consiste num processo de institucionalização e desinstitucionalização contínua. A passagem do inconsciente ao consciente, do molecular (cerebral e social) ao molar (cerebral e social) e a passagem inversa, o consciente, o molar e o social que descem no inconsciente se fazem por imitação e por ação de forças constitutivas do desejo e da crença. A representação individual é que separa o molar do molecular, o consciente do inconsciente, o sujeito da vida impessoal, pre-individual e afetiva, atual e virtual. A representação coletiva, da mesma maneira, separa a multiplicidade das forças moleculares e infinitesimais que agem na sociedade, nas instituições. Durkheim e Tarde têm concepções diferentes da sociedade: para Durkheim como totalidade e como instituição, para Tarde como relação entre as instituições e as forças infra-institucionais.

Trabalho e criação
Segundo Lazzarato a grande contribuição de Tarde para compreensão do fenômeno econômico é ter introduzido a memória como potência constitutiva da quantidade social e econômica, como constituição do tempo e da diferença. Não o tempo como medida, como em Marx, mas como potência de constituição. É através da memória que se pode apreender o conceito de atividade, ação, porque ela é, ao mesmo tempo, hábito, rotina e poder de criação. É a memória que explica a dis

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